9 de dezembro de 2011

29 de outubro


A cada surto me lembro daquele dia, datava uma época comemorativa, mas nada parecia importar naquele momento. Ele era só uma pessoa domada pelo ódio e parecia que eu era invisível ali. Só o ódio fazia presença. Era um quarto que costumava ser reconfortante e naquele dia podia ser tudo, menos reconfortante.
Ele sentado na cadeira frente ao computador, jogando sabe-se lá o que ou fugindo da realidade com aquele fone nos ouvidos, me ignorando.  Poderia beijá-lo? Não. Ele não queria toques. Palavras? Era melhor manter a boca fechada. Lágrimas? Melhor engolir-las. Era tão indiferente que preferi sentar na cama e esperar por uma reação. O silêncio torturava mais, talvez ele realmente gostasse daquele jeito de me fazer esperar. Talvez na cabeça dele o meu semblante calmo era só fingimento, parte era. A outra parte era pensando na consequência dos remédios que eu havia tomado.  Até então nenhuma reação dele fazia eu me arrepender. A cada tentativa fracassada de uma olhada correspondida, mais eu tinha certeza que minha coragem valeria à pena. Os remédios pareciam ser a resolução de tudo, e já dentro de mim eu aguardava desesperadamente pelo fim.
                Quando ele finalmente abriu a boca era pra dizer coisas horríveis, palavras que agora estão soltas na minha mente, só lembro de uma frase por inteiro “vá embora”. Estranho eu não lembrar direito o que foi dito naquele dia, apenas imagens.
                Fui embora com outra frase em mente “vê se não vai fazer mais besteiras!”, só que já era tarde. Não me passou a ideia de vomitar os comprimidos porque ainda me parecia viável aquela decisão.
                Cheguei em casa e fui para o meu quarto. Mal tinha começado a noite, devia ser lá pelas oito e tanta. Deitei na cama e fiquei na escuridão total, só o celular clareava o lugar. Tentei dormir, mas estava tão impaciente aguardando uma mensagem ou tentando não enviar nenhuma. E só depois de uma hora ou pouco mais recebi um sinal de vida dele: “Desculpa ter te tratado tão mal...” mais coisas que não lembro junto de um “eu te amo”.
                Aquela mensagem era tudo que eu precisava naquele final de semana. E eu esperava que já não fosse tarde demais, visto que haviam se passado quase cinco horas. Então... Resolvi contar a ele a quantidade que tomei de remédios, depois de ler a bula ele só respondeu “É... pode acontecer alguma coisa” e mais outro “eu te amo” com “boa noite”. Fiquei pensando: é isso? Acabou? Ele não acreditou ou não se importou?
                Eu fechei os olhos tentando dormir outra vez. Nada. Eu estava preocupada, aflita, ansiosa, desesperada, mas o coração não agia de acordo com os sentimentos, batia tão levemente... Será que já era o efeito?


Poucos minutos depois...
No hospital:
- Você tomou quantos remédios? – perguntava o médico enquanto me examinava com o estetoscópio.
-  Ah, não sei... A caixa inteira praticamente, minha mãe só tinha tomado um.
- Bem, a princípio está tudo bem. Você realmente tomou isso tudo? São 20 comprimidos na caixa.
- E para que eu inventaria?
Não lembro o que ele respondeu com minha retórica, apenas me encaminhou para uma sala. Fui fazer o tal de “eletro”.  Obviamente me mandaram tirar tudo que eu tinha de metal... Eu não queria ficar sem minha aliança, era tudo que me mantinha forte no momento.
Também não lembro o que comentaram do resultado desse exame, fui encaminhada mais uma vez para outro lugar. Um quarto... Caiu a ficha naquela hora. “Eu estou num hospital!”, pensava, “O que vão fazer? Será que vai doer?”.
Tantas pessoas iam lá ao leito, me mandaram colocar aquela roupa azul, devolver meu celular, me deitar. Não lembro como começou, nem a que momento me colocaram tantos fios e soro. Deve ter passado cerca de meia hora nessa tensão, logo depois uma médica apareceu.
- Vamos colocar uma sonda em você pelo nariz, passará pela traqueia, quando eu pedir pra você respirar fundo, você respira que é pra engolir a sonda que vai até seu estômago.  É meio grossinha, mas você vai ter que aguentar, tudo bem? Incomoda um pouco, mas será rápido. – disse ela.
Eu sei que isso me assustou um pouco, mas meu coração continuava batendo daquele jeito. Afinal, como era uma sonda grossa? Se brincar eu nunca vi se quer uma fina! Eu só podia ficar ali, deitada, esperando impacientemente pela suposta dor que eu em breve sentiria.
Depois de uns minutos, finalmente chegou a hora. Umas duas enfermeiras chegaram junto com a médica, e claro... A sonda. O que me assustava não era a largura e sim o comprimento.
- Vamos passar um gelzinho na sonda pra entrar com facilidade, tudo bem? Vamos colocar 500ml de soro no estômago, você vai senti-lo cheio e depois irá esvaziar à medida que o soro é sugado de volta.
E lá foi aquela sonda entrando no meu nariz. Uma sensação que não sei explicar. Era como se alguém tivesse tirando proveito do meu corpo, mesmo sendo para o bem. Era como estar sendo violentada. Eu evitava respirar pelo nariz porque engolir a saliva incomodava, e cada vez que eu fazia isso sentia que a sonda ainda estava na minha traqueia. Era uma luta constante de pensamentos, eu tentava controlar a mente e evitar a real situação. Pensar na sonda tornava real aquele incômodo, aquela boca seca que evitava salivar.
Uma coisa eu tinha certeza. Aquilo não seria rápido. Colocaram mais 500ml, repetiram o processo do estômago sugando todo o soro para que expelisse tudo que tivesse lá dentro.  E nada demais viam naquele galão que recebia todo o soro de volta, apenas um líquido amarelo com minúsculas aglomerações de algo que pareciam comprimidos em pó. A médica de novo apareceu e disse:
- Você tomou algum outro comprimido? Por favor, me diga. Senão teremos que fazer outro procedimento.
Eu respondi negativamente com a cabeça. Eu não sei se valia o dia anterior, que tomei meia dúzia de calmantes. Bem, mesmo assim resolvi não comentar.  E repetiram mais duas vezes o procedimento. Colocaram mais soro e o mesmo era sugado pela sonda, e tal líquido ia para o galão.  Nessa última me deixaram lá com a sonda, enquanto a sucção continuava. Parecia mais que tinham me esquecido lá.
Depois de não aguentar mais aquele incômodo, respirei várias vezes pelo nariz, engoli saliva, e aquela sonda parecia me espetar, me sufocar. Tossi, tossi muito, estava quase vomitando com aquela merda ainda na minha traqueia, rapidamente um enfermeiro chamou a médica e disse que eu não estava conseguindo respirar direito. Ela ainda comentou que eu sentiria uma pressãozinha pra tirar a sonda, mas nenhuma dor importava mais, eu só queria aquilo fora de mim. E finalmente o enfermeiro tirou.
Aquilo me assustou. O quarto já estava escurecido, visto que havia pacientes dormindo, mas aquilo não pareceu importar no momento, pouco quis saber se iriam acordar com meu choro. Pouco me importava a voz do enfermeiro dizendo que tudo ia dar certo, eu queria o meu amor ali, só ele podia me tranquilizar. Custei a entender que eu não estava num quarto qualquer e sim na CTI. Bem, depois de um bom tempo adormeci.
Depois de um domingo horroroso veio a segunda-feira me mostrar que não era mentira. Lá estava eu ainda, acordada numa cama, com o corpo cheio de eletrodos. Enfermeiras e enfermeiras espetando meu dedo, colhendo sangue, medindo minha pressão e me fazendo urinar para que não fosse preciso enfiar uma sonda pela minha uretra. Eu me sentia como um rato de laboratório.
Recebi minhas primeiras visitas, mas ele não apareceu. Depois do almoço resolvi tentar dormir, porque doía pensar que talvez ele não fosse me visitar, e dessa forma o tempo passaria mais rápido até o próximo horário de visita.
Enfim a tarde chegou. Eram quatro horas, pude ver ele se aproximando pela porta transparente frente à minha cama. Não pude esconder um sorriso. Não sei explicar a reação dele, talvez uma decepção, uma tristeza, um medo, não sei. Apenas sei que minha vergonha e medo me deixavam sem saber o que dizer. Ele apertou minha mão, me beijou. E estava com um olhar tão diferente, um que eu nunca tinha visto em três anos de namoro. Tudo que eu queria era a certeza de que eu o teria de volta a partir daquele momento em diante...


Isabelle S. S. de Assis

Um comentário:

Anônimo disse...

Não acredito que você escreveu sobre isso.